segunda-feira, 7 de março de 2011

A DOUTRINA DA PREDESTINAÇÃO
J. DIAS

A doutrina da eleição é uma das mais controvertidas de toda a teologia. Através de séculos ela vem dividindo os cristãos em vários campos. Alguns livros sobre teologia sistemática nem sequer ensinam este assunto, para evitar entrar nessa controvérsia. Neste artigo não temos a pretensão de resolver essa questão, mas sim, trazer ao debate mais subsídios para o entendimento dessa doutrina.

A PREDESTINAÇÃO FOI DESENVOLVIDA POR AGOSTINHO 
A doutrina da predestinação foi desenvolvida por Agostinho, principalmente como uma doutrina em que todos os acontecimentos eram carregados de um sentido preciso, como deliberados atos divinos de misericórdia para com os eleitos, e de julgamento para os amaldiçoados. Agostinho afirmou que essa doutrina sempre fora proclamada na Igreja.

A PREDESTINAÇÃO NA VISÃO DE CALVINO
A palavra predestinação, em sua forma nominal, foi usada pela primeira vez por Calvino somente nas Institutas de 1539. Certamente, ele não decidiu organizar seu programa teológico inteiro em torno dessa idéia. Num exame mais aprofundado, fica-se impressionado com a falta de originalidade da doutrina da eleição apresentada por Calvino. Seu ensino acerca desse tópico é basicamente idêntico ao que foi apresentado por Lutero e Zuínglio. Como Lutero e Zuínglio, Calvino frequentemente recorria a Agostinho, e tinha afinidade com a tradição agostiniana da Idade Média, da qual fazem parte teólogos como Tomás de Aquino (em seus últimos escritos), Gregório de Rimino e Thomás Bradwardine.

Calvino introduziu isso como um problema ocasionado na pregação do evangelho, quando perguntou: porque quando o evangelho é proclamado, alguns atendem e outros não?

Podemos resumir a doutrina da predestinação exposta por Calvino em três palavras: absoluta, particular e dupla.

Absoluta: a predestinação é absoluta no sentido de que não está condicionada a nenhuma contingência finita, mas baseia-se somente na vontade imutável de Deus.

Particular: a predestinação é particular no sentido de que pertence a indivíduos, e não a grupos de pessoas. Obviamente Calvino estava consciente de que Deus elegeu Israel como seu povo especial da aliança. Contudo nem todo membro individual da nação estava eleito para a salvação, como Paulo ressaltou na carta aos Romanos, capítulo 9. A aliança da graça aplica-se a cada pessoa individualmente. Com respeito a expiação, isso significa que Cristo não morreu por todas as pessoas, mas apenas pelos eleitos.

Dupla: a predestinação é dupla, isto é, Deus para louvor de sua misericórdia, elegeu alguns indivíduos para a vida eterna, e para louvor de sua justiça, enviou outros para a condenação eterna.

O EXTREMISMO DA PREDESTINAÇÃO
A doutrina da predestinação tem sido apresentada de maneira tão extremista que faz parecer que os eleitos serão inevitavelmente salvos, sem levar em conta sua resposta a pregação do evangelho e seu estilo de vida. Por outro lado, os escolhidos para se perderem, padecerão eternamente, não sendo levado em conta qualquer empenho em aproximar-se de Deus mediante a fé em Cristo.

Esta posição radical baseia-se nas doutrinas chamadas de:
- Eleição incondicional: entende que os eleitos são escolhidos completamente em separado de qualquer arrependimento e fé da parte deles;
- Expiação limitada: diz que Cristo não morreu por toda humanidade, mas apenas por aqueles a quem Ele escolheu.

Ela se apoia também no ensino de que a chamada geral de Deus para os homens se entregarem a Cristo não é um “chamado geral”, mas Ele só “chama verdadeiramente” aqueles a quem elegeu previamente para salvação. Foi mostrado nas Escrituras que Jesus morreu por toda a humanidade. Ele chama todos os cansados e sobrecarregados para se aproximarem dele (Mt 11.28).

A ELEIÇÃO É PARA NOSSA REFLEXÃO
Para o cristão o fato da eleição é uma reflexão sobre como em meio à escuridão e morte do pecado a graça de Deus o alcançou e invadiu. Não é um motivo para se gloriar na escolha de alguém, nem para se divertir com o jogo “eu estou dentro e você está fora”. Na verdade essa atitude tem sido por demais associadas aos defensores da doutrina calvinista acerca da eleição. Isso levou à presunção e a um exclusivismo, como no velho hino batista:

Somos os poucos eleitos do Senhor,
Que todos os outros sejam condenados;
Há espaço suficiente para você no inferno,
Não queremos o céu abarrotado!

UM ATO SOBERANO DE DEUS
A eleição é um ato soberano de Deus porque, por ser Deus, Ele não tem de consultar nem pedir opinião de quem quer que seja. Desde que a Escritura ensina que a eleição aconteceu “antes da fundação do mundo” (Ef 1.4), então, não havia ninguém a quem Deus pudesse consultar. Todos os homens pecaram e são culpados diante de Deus, portanto, Ele não se achava sob qualquer obrigação de salvar ninguém.

A eleição é um ato da graça de Deus, em vista da mesma razão. Toda a humanidade pecou e não merece coisa alguma além da condenação. O homem pecador não pode fazer nada por si mesmo, a fim de ser considerado digno de salvação. Assim sendo, qualquer oferta de vida eterna deve ser pela graça.

A salvação é em Cristo, porque só Ele poderia prover a justiça de que o homem necessitava. Deus não pode escolher o homem em si, de modo que o escolheu em Cristo: “E sabemos que todas as coisas concorrem para o bem daqueles que amam a Deus, daqueles que são chamados segundo o seu propósito. Porque os que dantes conheceu, também os predestinou para serem conformes à imagem de seu Filho, a fim de que ele seja o primogênito entre muitos irmãos; e aos que predestinou, a estes também chamou; e aos que chamou, a estes também justificou; e aos que justificou, a estes também glorificou” (Rm 8.28-30).

Pedro, apóstolo de Jesus Cristo, aos peregrinos da Dispersão no Ponto, Galácia, Capadócia, Ásia e Bitínia. Eleitos segundo a presciência de Deus Pai, na santificação do Espírito, para a obediência e aspersão do sangue de Jesus Cristo: Graça e paz vos sejam multiplicadas” (1 Pe 1.1-2).

Devemos distinguir claramente entre a presciência de Deus e a predestinação. Não é certo dizer que Deus previu todas as coisas porque arbitrariamente decidiu fazer no futuro com que elas ocorressem. Deus em sua presciência vê os eventos praticamente com vemos o passado. A presciência não muda a natureza dos eventos futuros, mas, do que o conhecimento posterior pode mudar um fato histórico. Existe uma diferença entre o que Deus determina executar e o que Ele simplesmente permite que aconteça.

Poucos dos que defendem o conceito da “eleição incondicional” ensinariam que Deus é a causa eficiente do pecado. Praticamente todos concordariam em que Deus simplesmente permitiu que o pecado entrasse no universo, e todos admitiriam que Ele previu que entraria antes de ter criado qualquer coisa. Se então, Deus pôde prever que o pecado entraria no universo sem decretar efetivamente que entraria, Ele pode então prever também como os homens agirão sem decretar como eles vão agir?

Efésios 1.3-5 torna bem claro que os crentes são escolhidos em Cristo Jesus: “Bendito seja o Deus e Pai de nosso Senhor Jesus Cristo, o qual nos abençoou com todas as bênçãos espirituais nas regiões celestes em Cristo; como também nos elegeu nele antes da fundação do mundo, para sermos santos e irrepreensíveis diante dele em amor; e nos predestinou para sermos filhos de adoção por Jesus Cristo, para si mesmo, segundo o beneplácito de sua vontade”.

Ao escolher os que são seus “em Cristo”, Deus não estava olhando para o homem em si, mas como ele é em Cristo. Os que foram escolhidos são aqueles que estavam em Cristo, pela sua presciência Deus já os viu quando fez a escolha. Os que estão em Cristo são pecadores que creram no sangue redentor de Jesus Cristo, através do qual eles foram unidos a Ele, como membros do seu corpo.

Não existe qualquer virtude nesta fé. Os homens não são salvos por crerem, mas através da crença. Os crentes foram vistos antecipadamente em Cristo quando Ele os escolheu. Como chegaram ali? Através da fé no Filho de Deus. Ele não determinou quem deveria achar-se ali, mas simplesmente os viu em Cristo ao Elegê-los.

A PREDESTINAÇÃO COMO ENSINO BÍBLICO
"Porque os que dantes conheceu, também os predestinou para serem conformes à imagem de seu Filho, a fim de que ele seja o primogênito entre muitos irmãos" (Rm 8.29).

A Bíblia não ensina seleção, mas eleição. Em ponto algum a Bíblia ensina que alguns são predestinados à condenação. Isto seria desnecessário, desde que todos são pecadores e estão a caminho da condenação eterna. Ele vos vivificou, estando vós mortos nos vossos delitos e pecados, nos quais outrora andastes, segundo o curso deste mundo, segundo o príncipe das potestades do ar, do espírito que agora opera nos filhos da desobediência, entre os quais todos nós também antes andávamos nos desejos da nossa carne, fazendo a vontade da carne e dos pensamentos; e éramos por natureza filhos da ira, como também os demais... estáveis naquele tempo sem Cristo, separados da comunidade de Israel, e estranhos aos pactos da promessa, não tendo esperança, e sem Deus no mundo” (Ef 2.1-3, 12).

Não é a falta da eleição do homem que o leva a perdição eterna; é o seu pecado e falta de aceitar Jesus Cristo, como único e suficiente Salvador. Todo homem é livre para aceitar Cristo como seu Salvador pessoal ou não, caso assim o deseje. Ele não é apenas convidado, mas instado a isso. Cristo Fez toda sorte de provisões para ele. “vemos, porém, aquele que foi feito um pouco menor que os anjos, Jesus, coroado de glória e honra, por causa da paixão da morte, para que, pela graça de Deus, provasse a morte por todos” (Hb 2.9). “Mas Deus, não levando em conta os tempos da ignorância, manda agora que todos os homens em todo lugar se arrependam” (At 17.30).

Muitos dos problemas surgidos na Igreja sobre essa doutrina da eleição foram causados porque alguns à aplicaram aos não salvos. Ela é verdadeira para quem já se encontra em Cristo. Reconhece-se que a epístola de Paulo aos Romanos é a exposição mais ordenada do plano de salvação que temos na Bíblia. Deve-se notar que o apóstolo não trata do assunto da eleição até ultrapassar o capítulo 8, que conclui com a verdade de que não há separação em Cristo.

UMA VEZ SALVO, SALVO PARA SEMPRE
Dessa doutrina da predestinação, segue-se o ensino de “uma vez salvo, salvo para sempre”, porque, se Deus predestinou um homem para a salvação, e este pode unicamente ser salvo pela graça de Deus, que é irresistível, então o salvo nunca pode perder-se.

A OPINIÃO DE JOÃO WESLEY
Na doutrina da predestinação há três pontos em debate:
1) Eleição incondicional;
2) Graça irresistível; e
3) Perseverança final.

Em relação ao primeiro item, eleição incondicional creio:
Que Deus, antes da fundação do mundo, realmente elegeu algumas pessoas para o desempenho de algumas obras, como Paulo para pregar o evangelho; que ele elegeu incondicionalmente algumas nações para receber privilégios específicos, em particular a nação dos judeus; que ele elegeu incondicionalmente algumas nações e pessoas para muitas determinadas vantagens, em relação tanto às questões temporais quanto às espirituais.

E realmente não nego (embora não tenha como provar): que Ele elegeu incondicionalmente algumas pessoas para a glória eterna. Contudo não posso crer: que todos os que não foram eleitos para a glória eterna têm de perecer para toda eternidade; ou que haja uma alma sequer na terra que jamais tenha tido a possibilidade de escapar à condenação eterna.

Com relação ao segundo ponto, a graça irresistível, eu creio:
Que a graça que traz a fé e, portanto, a salvação, é irresistível naquele momento particular; que a maioria dos crentes pode se lembrar de alguns momentos em que Deus, de forma irresistível, os convenceu do pecado; que a maioria dos crentes realmente descobre, em outros momentos, que Deus está agindo, de forma irresistível, em sua alma. Contudo eu creio que pode ter havido e houve resistência à graça de Deus, tanto antes quanto depois desses momentos; e que, de modo geral, a graça não age de forma irresistível, mas que podemos, assim aquiescer a ela ou não.

E eu não nego: que em algumas pessoas a graça de Deus é, até o momento, irresistível e que não podem fazer nada, a não ser crer e, por fim ser salvas.

Contudo não posso crer: que todos em quem a graça não trabalhou de forma irresistível devem ser condenados; ou que haja uma pessoa sequer na terra que não tenha nenhuma outra graça, e jamais a tenha tido, e isso aumente sua condenação, e que isso acontece por desígnio de Deus.

Em relação ao terceiro ponto, a perseverança final, inclino-me a crer:
Que há um estado possível de alegria da salvação à ser alcançado nesta vida e do qual um homem não pode cair; e que quem alcançou esse estado pode dizer: “As coisas antigas já passaram; eis que surgiram coisas novas!”.

CONCLUSÃO
Não permita que qualquer ideia com relação a essa doutrina da eleição impeça a pregação do evangelho a toda humanidade. A Grande Comissão continua sendo um dever da Igreja de Jesus Cristo: IDE POR TODO O MUNDO E PREGAI O EVANGELHO A TODA CRIATURA. QUEM CRER E FOR BATIZADO SERÁ SALVO; PORÉM, QUEM NÃO CRER, SERÁ CONDENADO (Mc 16.15-16).




FONTES:
Conhecendo as Doutrinas da Bíblia, Myer Pearlman – Ed. Vida
Fundamentos da Teologia Pentecostal, Guy P. Duffield – Nathaniel M. Van Cleave – Editora Quadrangular
Doutrina da Salvação – Módulo de Teologia da FTB
Bíblia de Estudos NVI – Editora Vida
Bíblia de Estudos de Genebra – Editora CPAD
Santo Agostinho - Uma Biografia, Peter Brown – Editora Record

Um comentário:

  1. O que as pessoas tem dificuldade de absorver quanto à eleição incondicional é que se acham invadidas pela vontade de Deus. Mas precisam entender que é um soberano ato de amor. Nós estávamos mortos e incapazes de atender um chamado de Deus, conforme salmo 14:2. Se Deus permitisse que todos escolhessem, ninguem o escolheria, visto que Deus não pode ser compreendido por uma mente caída. Então ele nos elegeu antes da fundação do mundo.

    Outra coisa: isso não significa que as pessoas vão a Deus sem arrependimento e confissão. Deus mesmo gera isso nas pessoas atraves do Espírito Santo porque ele nos convence.

    Mais uma: A salvação é coisa séria para Deus. Ele não tira e coloca nomes em seu livro da vida porque isso seria uma indefinição enorme de um Ser onisciente. São todos sabidos e ele vai atrás de todos os eleitos. E isso ele faz por meio de pregaçao, evangelismo, uma experiência particular. Enfim, o filho sempre retorna aos braçs de Deus, conforme lucas 15.

    Última: A salvação é para sempre porque é uma obra de Deus na vida do pecador e portanto nao falha. Conforme tito 2, a graça nos ensina a viver e por isso é mentira o argumento de que os que acreditam na predestinação não se importem com o pecado. Os verdadeiros salvos vivem para Deus em consagração e devoção. como salvos! Só para pensar: Se a salvação não depende de nossos atos, por que a perda dela dependeria?

    Deus abençoe a todos. www.tiagolinno.wordpress.com

    ResponderExcluir